Bagunçado [Parte 1]
sexta-feira, 23 de março de 2012 @ by Victor @ -
00:18
Vai ser divertido, ele disse.
Eu até agora tento descobrir se falávamos do mesmo assunto. Acho que não, pois ele estava com os fones de ouvido, balançando o pé de olhos fechados, cantarolando o refrão de algum rock dos anos 80 que não sei dizer o nome.
- Você está brincando, não é? - eu falei, tirando a franja da frente de seus olhos. Não que ele a usasse por qualquer motivo; o cabelo preto e desarrumado precisava de um corte urgente.
- Não, estou falando sério - falou, tão convincente que não podia estar brincando. E eu não gostei daquilo.
- Você sabe que não há possibilidade de me fazer topar isso, não é?
Foi quando ele disse aquelas três palavrinhas malditas.
E não, obrigado por perguntar, não estou achando nada divertido ter um garoto de cinco anos agarrado na minha perna enquanto tento desligar a televisão e mandar aquela menina-cor-de-rosa estudar, esperando que minha visão não seja ofuscada pelo vestido, sapatilhas e sombra no tom mais gritante de rosa que você pode imaginar.
Onde está esse desgraçado agora, por falar nisso?
- Diiiigo! - gritei, quando o menino agarrado na minha perna tentou puxar meu cabelo, errando por cinco centímetros aos quais sou muito grata.
Nada. O ingrato não me daria nem uma resposta digna. Abri a boca para gritar de novo, mas ele apareceu entrando na sala, e acabei tossindo para disfarçar.
- Quem morreu? - ele falou, rindo, e puxou o garoto para longe de mim sem que eu precisasse falar. Colocou-o no sofá e mudou o canal, arrancando protestos da miss-barbie.
- Você vai estudar o Brasil colônia Ana - ele disse - E é a vez do Rodrigo assistir televisão.
- Ele sempre foi seu favorito, só porque tem o seu nome - a menina reclamou, cruzando os braços.
Rodrigo (aquele que não é um pirralho irritante) riu de um jeito tão contagiante que me vi rindo também. As duas crianças discutiram um pouco até que ele convenceu a garota a estudar, se agachando e sussurrando algo em seu ouvido. Ele nunca vai me contar o que foi, mas seja lá o que for, fez os olhos da menina brilharem e ela saiu correndo até a mesa, onde o livro já aberto a esperava.
- Eles são realmente seus primos? - perguntei. Era difícil acreditar que a pessoa mais calma da face da Terra pudesse ter qualquer laço sangüíneo com aquelas crianças.
- Eles gostam de você - foi só o que ele me respondeu, sorrindo - Sabia que o Rodrigo anda dizendo no colégio que você é namorada dele?
Minha boca se abriu para uma resposta seca quando meus olhos encontraram os dele. Ele sorria, e seus olhos estavam felizes, mas isso não me enganava. Eu conhecia aquele olhar, aquela felicidade induzida.
Agarrei sua mão e o puxei para a porta, ignorando suas perguntas.
- Ei tia, não leva o Digo embora! - a menina gritou, muito contrariada.
Meu pé direito nem chegou a tocar no chão. Inspirei profundamente e, quando olhei para a garota, tentei fazê-lo do modo mais simpático possível.
- Não vou demorar, amorzinho - e empurrei Rodrigo para fora, fechando a porta atrás de mim logo que sai.
- TIA? - explodi, balançando os braços erroneamente - Eu te juro que a próxima vez que ela me chamar assim... Para de rir, seu idiota! - o empurrei, sem efeito dessa vez. Ele estendeu os braços e pensei que fosse me empurrar também, mas ele os fechou em torno de mim e fez o contrário, me puxando. Enterrou a cabeça no meu ombro, senti algo quente e molhado no meu pescoço.
Precisei de mais um instante para entender que ele estava chorando.
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